Arbitragem Processo e Procedimento – Rafael Ortiz Lainetti

 

 ARBITRAGEM

PROCESSO E PROCEDIMENTO

 

INTRODUÇÃO

Apesar das diversas vantagens na utilização da arbitragem, há ainda no Brasil certa resistência à adesão de tal instituto para a solução de conflitos. Isto se dá devido à alguns fatores, tais como a ausência de instituições arbitrais de grande notoriedade e o desconhecimento, pelos operadores do direito, de todas suas vantagens, aplicações e eficácia jurídica. Em que pese se tratar de uma lei relativamente nova, a arbitragem já faz parte do ordenamento nacional desde o advento do Código de Processo Civil em 1973. Contudo, foi com a promulgação da Lei 9.307/96 que a arbitragem finalmente ganhou a sua devida porção no mundo jurídico, a ponto de se tornar um procedimento eficaz, cujos efeitos são similares aos dos litígios julgados pelo Poder Judiciário. Por estas razões, o presente estudo buscará ainda trazer à discussão todos os pontos, positivos e negativos da utilização do procedimento arbitral para solução de conflitos, bem como suas peculiaridades, de maneira a introduzir o procedimento arbitral ao operador do direito.

CAPÍTULO 1 Considerações iniciais. 

 

1.1 – Evolução história da arbitragem 

Nos primórdios da civilização, os litígios eram resolvidos com a utilização da chamada “força física”, onde prevalecia o regime da vingança privada não regulamentada ou, como alguns preferem, da autotutela. Portanto, não existia a figura do juiz, tampouco havia a declaração de existência ou inexistência de direitos. Posteriormente, juntamente com a evolução da civilização, criou-se inicialmente a figura da autocomposição. Nesta fase, as partes litigantes passaram a negociar até chegaram a um denominador comum para ambas. Porém, face à inexistência do poder coercitivo do Estado, uma vez descumprida a avença, o cumprimento do acordo somente se dava com a aplicação da já antiga autotutela. A primeira figura do árbitro surgiu nas polis, ou Cidades-Estados, onde um terceiro, após ouvir as partes, decidia de modo simples e breve, sem qualquer observância à leis ou determinadas regras gerais. A primeira utilização de cláusula compromissória de arbitragem se deu através de um Tratado firmado entre Atenas e Esparta, aproximadamente em 445 a.C., o qual remetia às partes à via arbitral no caso de surgimento de litígios decorrentes de tal Tratado.

Porém, a arbitragem veio a se consolidar em Roma, com a extensão dos poderes do Juiz aos árbitros. Neste sistema, a compilação de Justiniano preveu à parte vencedora na arbitragem a possibilidade de, em caso de recusa da outra em cumprir a sentença, postular a intervenção do magistrado para dar cumprimento à sentença arbitral, ainda que com meios coercitivos. Na Idade Média, a arbitragem voltou a ser muito utilizada no século XII, com a elaboração e aplicação dos Repertórios consuetudinários que eram regras expressas e minuciosas sobre o compromisso arbitral, o qual era aplicável, inclusive, às controvérsias familiares. Contudo, com a modernização do Direito e a instauração do Poder Judiciário, a arbitragem deixou aos poucos de ser utilizada, principalmente diante da possibilidade de apelação da Sentença Arbitral, o que retirou totalmente a característica de celeridade da arbitragem. Com a Revolução Francesa de 1789, a Assembléia Constituinte acolheu a arbitragem, que passou a ser obrigatória, de modo a praticamente, substituir o Poder Judiciário Estatal. Contudo, em razão da obrigatoriedade, rapidamente foi abolida. Por sua vez, o Código de Processo Civil Francês de 1806 não só adotou a arbitragem, mas limitou sua aplicação, conferindo-lhe grande formalidade, o que também veio a desestimular sua prática. Foi na Bélgica, em 1876 que, finalmente a arbitragem veio a ser corretamente regulamentada, com seus atuais traços característicos quando, a partir de então, se difundiu na Europa e América. Sendo assim, paralelamente ao Poder Judiciário Estatal, ressurgiu definitivamente, o conceito atual de arbitragem.

1.2 – Antecedentes da arbitragem no direito brasileiro

A arbitragem surgiu oficialmente no direito brasileiro na Constituição Imperial de 1824, que permitia, em seu artigo 160, a utilização de árbitros nas causas cíveis e penais civilmente intentadas. Posteriormente, em 1831 o juízo arbitral foi admitido para o julgamento das causas decorrentes de seguro e locações de serviços, através da Resolução 26/1831 e da Lei 108/37, respectivamente. Em que pesem as inúmeras inserções da arbitragem no direito brasileiro, muitas vezes obrigatória, como a prevista no Código Comercial de 1850, foi através da Lei 5.869/1973 – Código de Processo Civil – que a arbitragem foi efetiva e definitivamente instituída no ordenamento jurídico nacional, que veio a ser disciplinada no Livro IV, Título I, Capítulo XIV.

1.3 – A antiga arbitragem do Código de Processo Civil

Pois bem, em que pese a regulamentação da arbitragem no Código de Processo Civil, tal instituto não veio a ser utilizado como se esperava. Isto porque o procedimento arbitral do Código de Processo Civil era, na opinião de muitos juristas, pior do que os mecanismos do Poder Judiciário, o que veio a influenciar negativamente a utilização do juízo arbitral. Ainda que submetidas a um juízo arbitral, as partes teriam que se submeter ao Judiciário para homologação judicial do laudo arbitral.

E não é só. Outro ponto negativo era a ineficácia obrigacional da cláusula compromissória que, ainda que pactuada livremente pelas partes, não teria qualquer força impositiva, fato este que a tornou letra morta no ordenamento nacional.

Isto significa dizer que não dispunham os litigantes de mecanismos para compelir a outra parte a lavrar o compromisso e instituir a arbitragem.1 Em conseqüência do quanto acima exposto, os órgãos arbitrais deixaram de ser importantes no ordenamento jurídico nacional, até porque a indicação de árbitros feita pelos órgãos era vedada. Desta forma, a utilização da arbitragem caiu em desuso, de modo a se tornar letra morta no ordenamento jurídico brasileiro, até a promulgação da Lei 9.307/96, que veio a regular definitiva e corretamente o procedimento arbitral.

1.4 – A inserção definitiva da arbitragem no direito brasileiro

A nova lei de arbitragem, apesar de tardia, trouxe consigo a possibilidade de utilização da arbitragem com naturalidade, de modo bem sistematizado em seus quarenta e quatro artigos, o que a tornou mais um instrumento válido e eficaz para a solução de conflitos de natureza patrimonial disponível. Através da nova lei, a arbitragem se tornou simples e objetiva, conferindo as partes um julgamento seguro e rápido, sobretudo se comparado ao processo ajuizado perante o Poder Judiciário.

1 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem Jurisdição e Execução, p. 97

Ademais, o processo torna-se ainda mais célere, em razão da impossibilidade de se recorrer da sentença arbitral. Outros pontos que devem ser levados em conta são: (i)

reduzido custo; (ii) julgamento por técnicos altamente capacitados na área; (iii) a discrição e sigilo dos atos processuais e do julgamento.

 

CAPÍTULO 2 Conceito e Natureza Jurídica da Arbitragem 

2.1 – Conceito de arbitragem 

Seguindo os ensinamentos de Carreira Alvim2, pode-se definir a arbitragem como “a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos transigíveis.”

2 CARREIRA ALVIM, J.E., Direito Arbitral, p. 1 3 CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, p. 51

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona3, a abitragem é um “meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial”. Em outras palavras, podemos definir que a arbitragem é um sistema opcional, paralelo ao Poder Judiciário, de solução de conflitos, que pode ser pactuada por pessoas capazes, físicas ou jurídicas. Trata-se, portanto, de um mecanismo privado e extrajudicial de solução de litígios que, uma vez optado, sua decisão deverá ser cumprida pelas partes, como se judicial fosse.

2.2 – Natureza Jurídica da Arbitragem 

A doutrina não é pacífica quanto à natureza jurídica da arbitragem, o que gerou o surgimento de três correntes: privatista, também chamada de contratualista; a publicista ou procedimentalista e, por último, a intermediária4. A corrente privatista, liderada por Chiovenda relega o procedimento arbitral à esfera contratual, através da qual os árbitros somente podem dispor sobre o material lógico da sentença. A segunda corrente, publicista, que tem dentre seus seguidores, Calamandrei, dispõe que a convenção arbitral é um negócio jurídico privado, mas que é a vontade da lei que permite sua utilização. Assim, prevalece o aspecto processual do contrato de compromisso. A terceira e última corrente sustenta que a decisão do árbitro não é uma sentença por não ser dotada de executoriedade, de modo que o árbitro e o juiz concorrem para a formação e cumprimento da decisão. Assim, a arbitragem se constitui tanto pela sentença arbitral como pelo decreto ordenatório de cumprimento do juiz. Esta última posição é defendida, dentre outros, por Carnelutti. Esta corrente é considerada intermediária, em razão de que seus seguidores negam ao árbitro a função processual e à arbitragem o caráter público.

4 CARREIRA ALVIM, J.E., Direito Arbitral, p. 37/38 5 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 154

Para os defensores desta última corrente, os juízes togados se reduzem a uma área residual, ou seja, àquela cujo âmbito, para obter os resultados desejados da decisão judicial, é necessário o uso da força.5

Se cabe aqui a nós, opinar, deixando de lado a conceituação de denominações ou correntes, tem-se que a arbitragem possui, por natureza, caráter totalmente jurisdicional. Já

no que concerne à sua origem, certamente prevalece o caráter contratualista, tendo em vista que resulta da vontade das partes.

2.3 – Lide arbitral

Sem dúvidas, o conceito de lide arbitral se encaixa no artigo 1º da Lei 9.307/96 ao dispor que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir seus litígios relativos à direitos patrimoniais disponíveis”. Portanto, a lide ou o litígio arbitral nada mais é do que o objeto do processo arbitral, ou da arbitragem. Em outras palavras, trata-se do mérito do procedimento arbitral à ser instaurado, que virá a ser julgado pelo árbitro.

2.4 – Sistema judicial e sistema arbitral

Muito se ouve falar que o processo civil brasileiro se encontra em crise, uma vez que praticamente inexistente a segurança jurídica e a efetiva prestação da tutela por parte do Estado-Juiz. Em razão disto, a introdução de um novo tipo de procedimento para solução de litígios, com a mesma eficácia das decisões emanadas pelo Poder Judiciário, foi extremamente positiva e bem recebida pelos operadores do direito dos mais variados seguimentos. E não é só, o aumento da utilização do sistema arbitral, certamente reduzirá o volume de ações do Poder Judiciário, de modo a, quem sabe num futuro próximo, voltar a equalizar e adequar a Prestação Jurisdicional do Estado.

Assim, tem-se que o sistema arbitral foi um avanço significativo, a ponto de vir a refletir uma nova mentalidade do processo civil contemporâneo na busca de formas alternativas de solução dos conflitos de interesses.6 Contudo, importante destacar que este novo sistema, paralelo ao Poder Judiciário, de nada adiantará se os operadores do Direito não mudarem os rumos de seus pensamentos, a ponto de afastar os mitos criados, inclusive em decorrência do fracasso da arbitragem anteriormente prevista no Código de Processo Civil.

6 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 108/109.

CAPÍTULO 3

Requisitos do Juízo Arbitral

Para se provocar a instauração de um procedimento arbitral, fez-se necessária a observância de alguns requisitos de admissibilidade, aptos a ensejar seu regular processamento.

3.1– Partes que podem convencionar a arbitragem

A capacidade dos contratantes é condição sine qua non para a utilização da arbitragem. Importante lembrar que a capacidade jurídica consiste na aptidão de um indivíduo se tornar sujeito de direitos e deveres. Assim, a capacidade se tornar o pressuposto de todos os direitos e obrigações. Com relação à matéria relativa à capacidade de se estar no juízo arbitral, tendo em vista que a instituição de juízo arbitral pressupõe a disponibilidade do direito, não podem ser partes na arbitragem as pessoas que tenham apenas poderes de administração, os incapazes, ainda que representados ou assistidos, os presos, o insolvente e a massa falida.

Na mesma linha, não podem ainda estar em juízo arbitral, sem autorização, o inventariante e o Espólio e o síndico de condomínio.7 Por conseguinte, as pessoas jurídicas de direito público ou privado poderão valer-se dessa forma de solução de litígios.

7 CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, p. 55

Contudo, no que tange às pessoas jurídicas de direito público interno, tais como União, Estado, Município e Autarquias, em linha de princípio, estão excluídas da possibilidade jurídica de solucionar conflitos internos através da arbitragem em face da indisponibilidade dos bens da Fazenda Pública.

3.2– Objeto litigioso.

Por primeiro, há de se destacar que as matérias que poderão ser submetidas ao juízo arbitral se referem a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, os que se manifestam pela admissão de atos de apropriação, comércio, alienação e disposição. Desta forma, é certo que estão excluídas as questões de natureza familiar ou de estado, relativas à capacidade das pessoas, tais como alimentos, filiação, casamento. Outrossim, estão ainda excluídas as matérias de ordem fiscal, tributária e todas aquelas de interesse da Fazenda Pública, salvo as hipóteses em que a própria lei permitir. Submeter ao juízo arbitral matéria de direito indisponível gera nulidade absoluta da convenção de arbitragem. Se houver dúvida quanto à natureza do bem litigioso e se este pode ser objeto de arbitragem, caberá ao Poder Judiciário solucionar a questão. Importante ressaltar ainda que, em que pese os impedimentos acima mencionados, isto não significa que as questões excluídas do objeto da controvérsia não possam ser apreciadas subsidiariamente e de maneira incidental, ou ainda servindo de sustentação à matéria principal. O que não é permitido é o conhecimento, na via arbitral, de questões previamente excluídas do microsistema a ponto de integrarem o mérito da decisão arbitral. Há de se ressaltar ainda que as questões já apreciadas pelo Poder Judiciário – coisa julgada – também não podem ser objeto de nova apreciação em sede de juízo arbitral.

3.3– A Cláusula compromissória e seus efeitos. 

A cláusula compromissória é o ato mediante o qual as partes convencionam remeter a árbitros o conhecimento de todas ou algumas questões que surjam, no futuro, entre elas, relativas a matérias ou assuntos que assinalam, subtraindo-as dos tribunais de jurisdição ordinária.8 Pelas regras de arbitragem previstas no Código de Processo Civil, a cláusula compromissória, apesar de existente, não obrigava às partes ao seu cumprimento. Isto significa que, uma vez pactuada a cláusula compromissória, a parte que negava à obedece-la não sofria sanção alguma. Portanto, antes do advento da lei de arbitragem, a cláusula compromissória era vista como uma convenção entre as partes sem valor vinculativo. Com o advento da Lei 9.307/96, a cláusula compromissória passou a possuir valor vinculativo, ou seja, uma vez pactuada entre as partes, deve ser obedecida, não podendo uma das partes se recusar sem sofrer sanções penais eventualmente pactuadas. Assim, as partes que desejarem instituir juízo arbitral na solução de eventuais conflitos futuros, desde que sobre direito disponíveis, deverão obrigatoriamente fazer a estipulação por escrito, seja no contrato principal, seja em documento apartado, de modo que se pode concluir que a cláusula compromissória não se presume.

8 CARREIRA ALVIL, J.E.. Direito Arbitral, p. 176

A convenção da cláusula compromissória não exige qualquer forma solene. Basta ser pactuada por escrito, conforme preceitua o artigo 4º da Lei 9.307/96. Desta forma, tem-se que a cláusula pode ser convencionada mediante troca de correspondências entre as

partes, fax. Em outras palavras, deve apenas ser comprovada a proposta por uma dar partes e a aceitação da outra. No entanto, se a cláusula for pactuada em apartado ao contrato principal, deve a ele fazer menção expressa. Importante destacar ainda a distinção da doutrina a dois tipos de cláusulas compromissórias. A cláusula cheia e a vazia. Na chamada cláusula cheia, as partes resolvem se submeterem às regras de um determinado órgão arbitral, de modo que a arbitragem somente àquele órgão poderá ser submetida. Por sua vez, a cláusula vazia é aquela em que não há menção à qualquer órgão ou instituição arbitral. Por outro lado, importante ressaltar ainda a distinção entre cláusula compromissória e compromisso arbitral. A primeira é aquela estipulada de maneira expressa, que depende de uma determinada condição – surgimento de litígio. O compromisso arbitral é onde as partes declaram se submeter à arbitragem para a solução de determinado litígio, bem como concordam com os árbitros nomeados.

Neste sentido, Humberto Theodoro Junior diz que “pode até haver contrato de arbitragem sem promessa prévia, mas não arbitragem sem compromisso”.9 Outrossim, a cláusula compromissória pode ainda ser classificada como unilateral ou binária. Esta classificação se refere ao número de sujeitos titulares do direito de dispor na relação jurídica, com o propósito de afastar a jurisdição do Poder Judiciário.

9 THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, p. 362

A cláusula compromissória unilateral é aquela que reserva a apenas uma das partes, a faculdade de se submeter à arbitragem. Pela outra, resta simplesmente aderir. Isto não significa que ele seja imposta pela vontade de apenas uma parte, haja vista ser fruto de um acordo prévio. Já a cláusula binária é aquela onde as partes opostas concordam em se submeter ao juízo arbitral em caso de litígio. Há ainda a previsão de cláusula binária com a pluralidade das partes, ou seja, àquelas em que determinados grupo, denominados centro de interesses, pactuam a previsão de arbitragem em caso de litígios oriundos de negociações com outro grupo. A cláusula compromissória é juridicamente autônoma do contrato principal. Isto significa que, ainda que nulo ou rescindido o contrato, todas as controvérsias oriundas daquele instrumento deverão ser solucionadas perante o juízo arbitral. Contudo, em se tratando de contrato de adesão, dispõe o parágrafo segundo do artigo 4º que a cláusula compromissória somente será válida, se o aderente tomar a iniciativa da instauração do procedimento. “§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.” Em caso de controvérsia sobre a validade ou legalidade da cláusula de arbitragem, cabe ao árbitro solucionar a questão. Por fim, devido ao caráter vinculante da cláusula compromissória, um problema de grande importância é a questão referente à transferência do contrato a terceiros.

A grande maioria da doutrina se posiciona no sentido de que sua existência deve ser considerada absorvida pela relação, o que decorre da aceitação, pelo novo contratante, do inteiro teor do contrato. A despeito da característica vinculante e obrigatória da cláusula compromissória, diante da recusa de uma parte à se submeter ao juízo arbitral, pode a outra ingressar em juízo a fim de compeli-la a tal, conforme preceitua o artigo 7º da Lei de Arbitragem.

3.4– O compromisso arbitral 

O compromisso arbitral, nas palavras de Joel Dias Figueira Junior pode ser definido como “a convenção através da qual as partes se submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.”.10 Trata-se portanto o compromisso arbitral de um verdadeiro negócio jurídico de direito material que expressa a renúncia à atividade jurisdicional do Estado. A nova lei de arbitragem, para fins de renúncia ao Poder Judiciário optou por equiparar a cláusula arbitral ao compromisso, tornando-os duas espécies diferentes de convenção arbitral. Contudo, o compromisso arbitral será sempre firmado por termos nos autos onde se discute a demanda.

10 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 193

O compromisso arbitral somente será celebrado em observância aos requisitos previstos no artigo 10 e no §2º do artigo 21, perante o juiz ou tribunal onde tramita o processo. Os requisitos indispensáveis são: a) o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; b) o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a

identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; c) a matéria que será objeto da arbitragem; e d) o lugar em que será proferida a sentença arbitral. Por outro lado, são causas extintivas do compromisso arbitral, dentre outras, escusa dos árbitros, antes de aceitarem a nomeação; quando as partes declararem não aceitar a subsittuição do árbitro; quando expirado o prazo para prolação da sentença, pelo falecimento das partes ou ainda pelo perecimento do objeto sob o qual se funda o litígio.

3.5 – Os árbitros.

O árbitro é a pessoa capaz, escolhida pelas partes para julgar o litígio submetido à arbitragem. A capacidade civil do árbitro é o único requisito imposto pelo legislador, conforme o disposto no artigo 13 da Lei 9.307/96. No entanto, geralmente as partes preferem que o árbitro seja alguma pessoa detentora de conhecimentos técnicos ou científicos sobre a matéria em que versa o litígio. Contudo, se a escolha do árbitro não for realizada por indicação de uma entidade arbitral, aconselha-se que dentre os integrantes haja pelo menos um com notório saber jurídico e experiência, a fim de dar cabo de todo o procedimento arbitral. Ademais, a fim de se evitar a possibilidade de empate na votação, o número de árbitros deverá ser sempre impar, sendo ainda que podem as partes escolher a forma de nomeação dos árbitros. Não é demais ressaltar que o árbitro ou o colégio arbitral deve buscar sempre o julgamento do litígio de forma imparcial.

CAPÍTULO 4 Processo e Procedimento Arbitral

4.1 – Instauração da ação arbitral.

A arbitragem se considera efetivamente instituída após a nomeação e aceitação dos árbitros pelas partes litigantes, com a conseqüente lavratura do compromisso arbitral. Pois bem, uma vez aceitos e nomeados os árbitros, o ato seguinte a ser praticado é a verificação, pelo árbitros ou colégio arbitral, de todos os termos e requisitos da convenção arbitral, onde residem os contornos da lide, inclusive seu objeto. Após, devidamente instaurado o processo arbitral, tem início o procedimento voltado à cognição dos julgadores para fins de prolação da sentença.

4.2 – Fases do procedimento arbitral

Existem dois tipos de procedimentos a serem escolhidos pelas partes. No primeiro, as partes definem o rito procedimental na convenção de arbitragem. Na outra forma, o procedimento será definido pelo órgão arbitral escolhido para julgar o litígio.

Nada obstante, certos princípios processuais não podem ser excluídos ou violado em qualquer que seja o procedimento escolhido. São eles, o contraditório, igualdade das

partes, imparcialidade dos árbitros, o livre convencimento e a fundamentação da sentença arbitral.11 O procedimento arbitral admite apenas a formação do processo de conhecimento, cuja natureza pode ser declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental ou ainda executiva lato sensu e apresentará as seguintes fases: postulatória, ordinatória, instrutória e decisória. Na fase postulatória, devem as partes apresentar aos árbitros seus requerimentos com base nos fundamentos fáticos e jurídicos da relação litigiosa, devendo ainda formular seus pedidos de acordo com a causa de pedir. Nada impede que tal pleito seja apresentado por advogado devidamente constituído. No entanto, antes mesmo do início da fase postulatória, devem os árbitros designar audiência preliminar de conciliação, a qual é fundamental para a aproximação dos litigantes. Trata-se de uma função imprescindível do árbitro que deve sempre buscar a composição entre as partes e não somente propor a conciliação. Não obtida a conciliação, o árbitro dará prosseguimento ao processo, de acordo com o rito anteriormente estabelecido. Pois bem, passando à segunda fase, cabe ao árbitro tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e deferir eventuais provas necessárias, tais como perícias. O depoimento ou o testemunho serão reduzidos à termo. Uma vez instruída a demanda arbitral, compete ao árbitro proferir a sentença, de acordo com seus convencimentos.

4.3 – Produção de provas no procedimento arbitral. 

11 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 208/209

A proposição das provas é ato das partes e a elas interessa, a fim de que possam demonstrar que suas alegações sejam tidas como verdadeiras. Por outro lado, a admissão das provas no processo arbitral é ato exclusivo do árbitro, sendo que a lei lhe faculta indeferir as consideradas inúteis ou meramente protelatórias. Contudo, se as partes convencionarem que será admitida apenas um tipo de prova, jamais poderá o árbitro, sem a autorização das partes, determinar a produção de outras provas. Tanto a instrução do processo arbitral como as provas geralmente seguem o rito do procedimento ordinário do Código de Processo Civil. É o que consta no permissivo do artigo 22 da Lei 9.307/96: “Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.” Contudo, ao contrario do que se imagina, através da leitura do artigo 22 da lei de arbitragem, pode-se imaginar que o árbitro dispõe de todos os poderes para tal. No entanto, em caso de recusa de uma dar partes a prestar depoimento, o árbitro não possui qualquer poder de coerção a fim de obrigar o comparecimento da parte, de modo que deverá ele se socorrer ao Judiciário. Ademais, ao permitir que o árbitro possa especificar meios de prova não indicados pelas partes, buscou o legislador conferir ao árbitro a mesma liberdade que possui o juiz a fim de formar seu livre convencimento.

CAPÍTULO 5 Tutelas de urgência no Juízo Arbitral

5.1 – Possibilidade de concessão de medida liminar.

É cediço que as tutelas de urgência servem, de um modo geral, para neutralizar os efeitos do tempo que incidem sobre os bens litigiosos e por conseqüência, sobre as próprias partes litigantes, em razão do processo de conhecimento. Isto porque, antes da instauração do procedimento arbitral pode surgir risco de dano irreparável ou de difícil reparação à uma das partes. O mesmo acontece no juízo arbitral, uma vez que a própria lei, através do § 4º do artigo 22 dispôs sobre a possibilidade de a parte pleitear a concessão de medida liminar, ainda que inaudita altera pars. Contudo, em que pese a existência legal de se postular a concessão de medidas liminares junto ao árbitro, este não possui o poder de fazer valer a sua decisão de maneira coercitiva, em caso de recusa de cumprimento espontâneo pela parte contrária. Assim, após o deferimento da tutela e diante do não cumprimento espontâneo da medida pela parte contrária, poderá o árbitro requisitar ao Poder Judiciário, mediante ofício, que exerça o poder coercitivo a fim de dar cumprimento à medida deferida. Ressalte-se que ao Poder Judiciário cabe somente a execução da medida, não lhe cabendo rever ou modificar, total ou parcialmente a medida concedida em juízo arbitral.

Há de se registrar ainda que a decisão liminar concedida em sede arbitral é irrecorrível, salvo se houve estipulação em contrário na convenção de arbitragem.

No entanto, eventualmente, poderá se tornar necessário a obtenção da medida liminar antes de instaurado o procedimento arbitral. Nestes casos, o requerimento cautelar deverá ser postulado diretamente ao poder Judiciário que seria competente para julgar o litígio. Neste sentido Joel Dias Figueira Junior12 diz que “tratando-se de cautelar preparatória, o interessado formula a sua pretensão diretamente ao Estado-Juiz que seria competente, se fosse o caso, para conhecer da ação principal (art. 800 CPC), tramitando o feito de acordo com o rito (genérico ou específico) do próprio Código de Processo Civil, sem que o árbitro possa, quando instaurado posteriormente o juízo privado, revogar ou modificar a providência acautelatória concedida ou denegada.”

12 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 224 13 CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, p. 268 14 CARREIRA ALVIM, J.E, Direito Arbitral, p. 335

No mesmo sentido, Carlos Alberto Carmona diz que “diante de tal contingência, abre-se à parte necessitada a via judicial, sem que fique prejudicada a arbitragem, apenas para que o juiz togado examine se é caso de conceder a medida cautelar; concedida a medida, cessa a competência do juiz togado.” No entanto, para Carmona, caberia aos árbitros manter, cassar ou modificar a medida concedida.13

Ainda na mesma linha, Carreira Alvim14 admite que a doutrina tem aceitado o “recurso à justiça estatal quando ainda não instituída a arbitragem, dado o caráter urgente da medida, e porque para a instituição do juízo arbitral são necessários vários passos, caminhos, assinaturas de documentos, não podendo a parte interessada esperar.”

Recentemente, o douto Juízo da 24ª Vara Cível do Foro Central da comarca de São Paulo, ao analisar pedido emergencial de concessão de liminar em contrato com cláusula

compromissória de arbitragem houve por bem deferir a medida, em razão da existência dos requisitos ensejadores da concessão da medida liminar15. “As partes estabeleceram no contrato de locação de bem móvel o compromisso arbitral, devendo a ele se submeter. Todavia, o compromisso arbitral não impede a utilização do Poder Judiciário na busca de uma tutela cautelar, diante da ausência de coerção da arbitragem. É a hipótese dos presentes autos, pois demonstra a autora o descumprimento da obrigação contratual da ré, que deixou de arcar com a contraprestação da locação, o que se extrai da notificação premonitória. Constata-se ainda a existência de cláusula resolutória expressa no contrato. Presente, portanto, o fumus boni iuris. O periculum in mora reside na resolução do contrato e a deteriorização da coisa locada sem a contrapartida contratual. Destarte, verifica-se que a autora busca tutela cautelar tendente a garantir a utilidade ou efetividade de oportuna decisão arbitral, estando presentes os requisitos autorizadores. Assim, defiro a liminar para determinar a apreensão do bem locado e a sua entrega à autora. Expeça-se carta precatória para cumprimento da liminar e citação da ré, que deverá apresentar a resposta que tiver no prazo legal. No prazo de trinta dias da execução da liminar, deverá a autora comprovar a tomada de providências visando instituir a arbitragem. Int.” Com efeito, a parte promovente deve sempre, em obediência ao artigo 801, III do Código de Processo Civil informar ao Juízo Estatal que a demanda principal será arbitral. Desta forma, tem-se que, em havendo cláusula compromissória de arbitragem, o Poder Judiciário fica adstrito apenas à apreciação de medidas urgentes preventivas, cabendo aos árbitros a direção geral no processo de conhecimento após a instauração do processo arbitral.

5.2 – Tutela antecipada no juízo arbitral. 

Seguindo a mesma linha da medida cautelar, Carlos Alberto Carmona se posiciona favorável à concessão da tutela antecipada pelo árbitro, desde que presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil.16 Contudo, ao contrário da medida cautelar, qualquer decisão a título de antecipação da tutela somente poderá ser tomada pelo árbitro. Ao Poder Judiciário caberia apenas as providências para execução, se necessário, nos mesmos moldes utilizados para a execução das liminares concedidas em juízo arbitral. Isto se dá ao fato de que tanto a tutela antecipatória como o provimento final que vier a confirmar a tutela concedida serão proferidos pelo árbitro.

16 CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, p. 270

CAPÍTULO 6 Defesas na arbitragem

6.1 – Apresentação de defesa

Em atenção aos princípios basilares de qualquer processo, o procedimento arbitral deve sempre, juntamente com o da igualdade e do devido processo legal, obedecer ao contraditório. A defesa na arbitragem pode ser indireta ou direta. Na defesa indireta, a defesa é dirigida ao próprio processo arbitral, quando existente a falta de algum pressuposto processual. Já a defesa direta, é aquela de mérito, onde a pretensão material é atacada, se contrapondo ao pedido inicial. Contudo, tendo em vista que a arbitragem não é regida pelas regras do Código de Processo Civil, o prazo para apresentação de defesa poderá ser regido livremente pelas partes.

6.2 – Exceções arbitrais 

Define-se defesa por exceção quando a defesa é dirigida contra o processo, versando uma questão sobre a existência ou validade da relação processual.17

17 CARREIRA ALVIM, J.E., Direito Arbitral, p. 274

Existem dois tipos de exceções. As dilatórias, que distendem do curso do processo e não comprometem a relação processual, tais como as exceções de incompetência e suspeição, e as peremptórias, que interrompem o curso do processo, tais como as de coisa julgada. Todas as modalidades de exceções são cabíveis na arbitragem, sendo que as mais usuais são as de impedimento e suspeição, em razão da necessidade de observância do princípio da imparcialidade do árbitro. Na lei de arbitragem, as exceções de incompetência, impedimento e suspensão se encontram expressas no artigo 20, e devem ser argüidas na primeira oportunidade de manifestação do réu. No entanto, as demais exceções, tais como as de litispendência e coisa julgada também são perfeitamente aceitas no procedimento arbitral.

CAPÍTULO 7 Da sentença arbitral

7.1 – Natureza Jurídica da sentença arbitral

No processo civil comum, as sentenças possuem naturezas declaratórias, constitutivas, condenatórias e mandamentais ou também chamadas de executiva lato sensu. Por sua vez, na arbitragem, as sentenças proferidas podem ser classificadas em ressarcitória, recuperatória, inibitória, declaratória ou constitutiva. Isto se dá tendo em vista que na jurisdição privada, o árbitro se limita apenas a dizer de quem é o direito, sem poder fazer exercê-lo. Caberá ao vencido dar cumprimento espontaneamente sob pena de não o fazendo, ser submetido à força coercitiva do Estado-juiz.

7.2 – Requisitos da sentença arbitral

Quando o procedimento arbitral atingir seu termo com a conclusão da fase instrutória e, estando o árbitro convencido será proferida a sentença arbitral, a qual terá a eficácia similar à sentença proferida pelo Poder Judiciário. No entanto, certos requisitos obrigatórios devem ser observados, sob pena de nulidade da sentença. São eles:

a) relatório: que conterá o nome das partes e um resumo de todo o litígio; b) os fundamentos da decisão: com a análise das questões de fato e de direito. Deverá ainda conter a menção de julgamento por equidade, se o caso; c) dispositivo: a conclusão à qual chegaram os árbitros sobre o litígio em debate, com a conseqüente disposição de natureza da sentença; d) a data e local em que foi proferida a sentença arbitral. Por serem requisitos obrigatórios, nos termos do artigo 26 da Lei 9.307/96, a falta destes requisitos importará na nulidade da sentença arbitral proferida. Contudo, referida nulidade deverá ser provocada pela parte prejudicada junto ao Poder Judiciário que apreciará o pedido. Com relação à ausência do local e data, verificada a omissão, esta pode ser sanada a tempo de modo que dificilmente a inobservância deste requisito acarretará a nulidade da sentença.

7.3 – Coisa julgada arbitral

Conforme já foi mencionado, a sentença proferida em sede arbitral possui os mesmos efeitos da sentença proferida pelo Poder Judiciário, a ponto de constituir título executivo judicial, se condenatória. Portanto, a sentença arbitral faz coisa julgada material entre as partes litigantes, dentro dos limites fixados no litígio. Desta forma, uma vez notificadas as partes sobre a sentença arbitral e decorrido o prazo de embargos de declaração, a decisão proferida passa a gerar todos os efeitos diretos decorrentes da prolação da sentença.

Frise-se ainda que da sentença arbitral não cabe qualquer tipo de recurso. Com efeito, em que pese a jurisdição arbitral não admitir a intervenção de terceiros, a coisa julgada da sentença arbitral não atinge qualquer terceiro interessado.

Ainda sobre a coisa julgada, Joel Dias Figueira Junior diz que “aplica-se também à jurisdição privada o princípio do deduzido e do dedutível, vale dizer, a coisa julgada cobre o dedutível; em outras palavras, o que não foi deduzido, tem-se como deduzido tivesse sido (art. 474, CPC), com o que se garante duradouramente o bem jurídico contido e retratado na sentença imutável”.18

7.4 – Nulidade da sentença arbitral

A sentença arbitral, por ser um ato formal, deve conter os requisitos formais a fim de ser válida e eficaz. A não observância dos requisitos formais gera a nulidade da sentença arbitral. Por outro lado, a incidência das hipóteses previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem também gera a nulidade da sentença arbitral. Isto significa que a sentença arbitral é nula quando: i) for nulo o compromisso; ii) emanada de quem não poderia ser árbitro; iii) não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; iv) for proferida fora dos limites da arbitragem; v) se comprovado que a sentença arbitral foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; vi) proferida fora do prazo estabelecido, ou ainda quando forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

18 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, Jurisdição e Execução, p. 261, op.cit Cf. Arruda Alvim, Manual, 5 ed., n. 34, vol I, p. 102

As hipóteses mencionadas acima são taxativas de modo que não podem as partes ampliá-las além dos limites legais, tampouco prever formas de impugnação da sentença arbitral em âmbito judicial. Outrossim, pode ser considerada nula ainda a sentença extra petita, que decide litígio diverso do que o constante do compromisso. Já a sentença ultra petita será considerada nula apenas na parte que transigir o objeto litigioso da arbitragem. Por fim, a sentença citra petita já se encontra subentendida no inciso V do artigo 32 da Lei de Arbitragem que dispõe que será nula a sentença arbitral que “não decidir todo o litígio submetido à arbitragem.” Sendo nula de pleno direito, a sentença arbitral não gera qualquer efeito no mundo jurídico, em que peses seus reflexos no mundo fático se perpetuarem até a anulação da decisão. Pois bem, entendendo uma parte pela nulidade da sentença arbitral, esta poderá impugnar a sentença através de uma ação autônoma de natureza declaratória, a qual deverá ser proposta perante o Poder Judiciário, ou ainda, se o caso, mediante embargos à execução de sentença. No entanto, a ação de nulidade deve ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral. Caso contrário ocorrerá a preclusão e a sentença não mais poderá ser modificada.

Carreira Alvim19 se posiciona no sentido de que “a ação de nulidade ocupa, na arbitragem, posição análoga à ocupada pela apelação, enquanto o meio de anulação ou reforma da sentença impugnada.”

19 CARREIRA ALVIM, J.E., Direito Arbitral, p. 410

Ainda a respeito das formas de impugnação da sentença arbitral, cumpre destacar que a ação de nulidade comporta discussão somente das matérias taxativas elencadas no artigo 32 da Lei 9.307/96. Por sua vez, os embargos do devedor comportam a discussão das questões constantes do artigo 741 do Código de Processo Civil, que dispõe, de um modo geral, sobre os embargos fundados em título judicial. Assim, decorridos os noventa dias e iniciada a execução da sentença arbitral, o devedor não poderá discutir a validade da sentença. A única hipótese admitida onde a parte vencida poderá se valer dos embargos do devedor para discutir as matérias constantes do artigo 32 da Lei de Arbitragem será somente quando a sentença vier a ser executada antes do prazo decadencial de noventa dias.

7.5 – Execução da sentença arbitral

Proferida a sentença, o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral deverá remeter cópia da decisão às partes mediante comprovação de recebimento, a qual estabelece o termo inicial para o eventual pedido de correção, esclarecimento ou propositura de ação de nulidade. A sentença arbitral produz entre os litigantes os mesmos efeitos da decisão proferida pelo Poder Judiciário. Contudo, em caso de não cumprimento espontâneo pela parte derrotada, compete ao Judiciário dar andamento à execução forçada. Para a execução da sentença arbitral, caso necessário, a liquidação se dará perante do tribunal arbitral. Após liquidada e não tendo a parte perdedora cumprido espontaneamente a decisão, será competente o órgão do Poder Judiciário do local onde se processou a arbitragem, ou da sede do tribunal arbitral.

As sentença de eficácia declaratória ou constitutivas que modificam a relação das partes são inexeqüíveis e geram efeitos no plano material em razão da natureza da ordem contida na decisão arbitral. Por outro lado, as sentenças de natureza condenatória são executadas conforme as regras do Livro II do Código de Processo Civil. As mandamentais dependerão da manifestação da parte interessada junto ao Poder Judiciário. Em caso de impugnação da sentença arbitral através de ação anulatória, é permitida a execução provisória da sentença arbitral. Com relação às sentenças estrangeiras, as quais, antes de serem executadas dependem de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça, cumpre destacar as recentes alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45 A principal mudança foi a transferência de competência para processar e julgar, originariamente, o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça. O trâmite de execução de uma sentença estrangeira possui duas etapas: reconhecimento e execução. A fase de reconhecimento de sentença estrangeira é também chamada de exequatur e consiste, na declaração feita por um Estado de que se submete à execução de uma sentença emanada por outro Estado, de modo que a decisão proferida no estrangeiro passa a ter a mesma validade que uma decisão exarada por um órgão jurisdicional nacional. O exequatur é, assim, o trâmite processual por meio do qual a justiça estatal exerce controle sobre alguns dos elementos e dos aspectos da sentença estrangeira. Contudo, não há análise de mérito, mas apenas numa avaliação de requisitos meramente formais.

Concluída a primeira fase e homologada a sentença estrangeira no Brasil, passa-se então à fase de execução do resultado da sentença.

CONCLUSÃO

Apesar de anteriormente já existir no ordenamento jurídico nacional, a arbitragem era pouco praticada devido à inúmeros entraves constantes do próprio ordenamento que se encontrava previsto no Código de Processo Civil, tais como a não vinculação da cláusula compromissória e a necessidade da homologação da sentença arbitral perante o Poder Judiciário. No entanto, com o advento da Lei 9.307/96 a arbitragem finalmente ganhou força no cenário jurídico nacional, uma vez que além de moderna para os padrões mundiais, a arbitragem passou a ser um “poder paralelo” ao Poder Judiciário. Isto se deu à inúmeros avanços no regramento da arbitragem, em especial, sobre a vinculação das partes à cláusula compomissória, bem como à equivalência da sentença arbitral àquelas proferidas pelo Poder Judiciário. Para que um determinado litígio seja submetido ao juízo arbitral, podem as partes pactuar, no ato da contratação ou durante a execução do contrato, que todas as controvérsias relacionadas ao objeto do contrato serão resolvidas mediante procedimento arbitral. Contudo, além da cláusula compromissória ser obrigatoriamente expressa, o objeto submetido à arbitragem deve servir somente sobre direitos disponíveis, sendo que qualquer pessoa, desde que seja capaz, pode convencionar a arbitragem para solucionar eventuais litígios oriundos de um negócio jurídico. Uma vez submetido um litígio a um órgão arbitral, o litígio será julgado por um ou mais árbitros, conforme decisão das partes que julgará a demanda de maneira imparcial num prazo máximo de 180 dias.

O árbitro, tal como o juiz de direito possui o livre convencimento e não só pode como deve, caso necessário, permitir todas as provas admitidas em direito, em especial, depoimento das partes e oitiva de testemunhas. Em caso de recusa de uma das partes à prestar depoimento, como não possui poder de coerção, poderá o árbitro solicitar ao Poder Judiciário que conduza de maneira coercitiva a parte ou testemunha à prestar depoimento. Ainda a despeito da ausência de poder coercitivo do árbitro, tal como no Poder Judiciário, podem ocorrer situações em que se faça necessária a concessão de medida liminar inaudita altera pars a fim de se evitar o perecimento do objeto litigioso, ou a perda de um direito em razão de grave ameaça de lesão ou de dano de difícil reparação. Nestes casos, a doutrina e a jurisprudência admitem que o pedido preventivo de liminar seja realizado diretamente ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar a demanda em caso de inexistência da cláusula compromissória. Assim, uma vez deferida a liminar, a parte autora teria o prazo de 30 dias para instauração do procedimento arbitral que seguiria como o processo principal da demanda cautelar. Por outro lado, se o pedido liminar se faz necessário durante o curso do procedimento arbitral, pode o árbitro analisar o pedido e, em caso de deferimento e recusa da parte contrária, solicitar o cumprimento forçado ao Poder Judiciário. O mesmo acontece com a tutela antecipada que vier a ser pleiteada no procedimento arbitral. Ao Estado-juiz cabe apenas dar cumprimento à ordem proferida pelo juiz arbitral, não podendo rever, modificar ou anular a decisão. Uma vez instaurado o procedimento arbitral e restando infrutífera a audiência de conciliação, a parte acionada poderá valer-se da apresentação de defesa, bem como de exceções junto ao tribunal arbitral. As mais usadas são as exceções de impedimento e suspeição em razão do princípio da imparcialidade dos árbitros.

Pois bem, instaurado o procedimento, intimada as partes e produzidas todas as provas pertinentes, cabe ao árbitro proferir a sentença arbitral, a qual deverá cumprir os requisitos constantes do artigo 26 da Lei 9.307/96, sob pena de nulidade da sentença. Proferida a sentença e não cumprida espontaneamente pela parte contrária, a execução deverá ser pleiteada junto ao Poder Judiciário, uma vez que a sentença arbitral possui força de título judicial. Diante da elaboração do presente trabalho, vislumbra-se que a arbitragem, após a promulgação da Lei 9.307/96 tornou-se um eficaz instrumento para as pessoas que não pretendem se submeter ao Poder Judiciário, a fim de buscar soluções mais céleres aos seus litígios. Contudo, restou claro que para um julgamento correto e imparcial, as partes devem sempre buscar eleger árbitros com notório conhecimento da matéria em debate. Outrossim, para que a arbitragem seja mais difundida no ordenamento, talvez falte aos operadores do direito maior intimidade com a matéria e com a prática processual arbitral, a fim de que possam conferir maiores opções a seus clientes quando da escolha da forma de solução de eventuais litígios que vierem a surgir no decorrer um negócio firmado.

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