É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato

Ação de reintegração de posse. Compromisso de compra e venda de imóvel com cláusula de resolução expressa. Inadimplência do compromissário comprador. Mora comprovada por notificação e decurso do prazo para a purgação. Prévio ajuizamento de demanda judicial para a resolução contratual. Desnecessidade.

A cláusula resolutiva expressa, como o nome sugere, constitui-se uma cláusula efetiva e expressamente estipulada pelas partes, seja no momento da celebração do negócio jurídico, ou em oportunidade posterior (via aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado.

Evidentemente, a vantagem da estipulação expressa é que, ocorrendo a hipótese específica prevista no ajuste, o efeito resolutório da relação negocial disfuncional subsistirá independentemente de manifestação judicial, sendo o procedimento para o rompimento do vínculo mais rápido e simples, em prestígio à autonomia privada e às soluções já previstas pelas próprias partes para solução dos percalços negociais.

Neste ponto, ressalte-se que inobstante a previsão legal (art. 474 do Código Civil) que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, esta Corte Superior, ao interpretar a norma aludida, delineou a sua jurisprudência, até então, no sentido de ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (REsp 620.787/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27.04.2009).

Na situação em exame, revela-se incontroverso que: (i) há cláusula resolutiva expressa no bojo do compromisso de compra e venda de imóvel firmado entre as partes; (ii) a autora procedeu à notificação extrajudicial do réu, considerando, a partir do prazo para a purga da mora, extinto o contrato decorrente de inadimplemento nos termos de cláusula contratual específica entabulada pelas partes, sem ajuizar prévia ação de rescisão do pacto; e (iii) a pretensão deduzida na inicial (reintegração na posse do imóvel) não foi cumulada com o pedido de rescisão do compromisso de compra e venda.

Desse modo, caso aplicada a jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, sem uma análise categórica dos institutos a ela relacionados e das condições sobre as quais ancorada a compreensão do STJ acerca da questão envolvendo a reintegração de posse e a rescisão de contrato com cláusula resolutória expressa, sobressairia a falta de interesse de agir da autora (na modalidade inadequação da via eleita), por advir a posse do imóvel da celebração do compromisso de compra e venda cuja rescisão supostamente deveria ter sido pleiteada em juízo próprio.

Entende-se, todavia, que casos como o presente reclamam solução distinta, mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada.

Note-se que a mudança de entendimento que se pretende não encerra posicionamento contralegem. Sequer é, pois, de ordem legislativa, visto que, como já dito, a lei não determina que o compromisso de compra e venda deva, em todo e qualquer caso, ser resolvido judicialmente, mas pelo contrário, admite expressamente o desfazimento de modo extrajudicial, exigindo, apenas, a constituição em mora ex persona e o decurso do prazo legal conferido ao compromissário comprador poder purgar sua mora.

Em outras palavras, após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Entretanto, não há óbice para a aplicação da cláusula resolutiva expressa, porquanto após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.

Evidentemente, compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição que refogem a intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel.

A eventual necessidade do interessado recorrer ao Poder Judiciário para pedir a restituição da prestação já cumprida, ou devolução da coisa entregue, ou perdas e danos, não tem efeito desconstitutivo do contrato, mas meramente declaratório de relação evidentemente já extinta por força da própria convenção das partes.

Isso porque, cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dá-se de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência.

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação.

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes – de liquidação.

Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença.

Necessário referir, ainda, que em hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, sempre poderá a parte devedora socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato.

Frise-se que impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

Fonte STJ

REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 10/08/2021