Justiça eleva valor de causa para fixar multa por litigância de má-fé

As contradições em um processo trabalhista poderão custar caro para um médico. A Justiça do Trabalho de Diadema (SP), com base em dispositivo no novo Código de Processo Civil (CPC), estabeleceu uma pesada multa por litigância de má-fé para o autor. Para fixá-la, elevou para R$ 5 milhões o valor da causa, que tinha sido arbitrado em R$ 100 mil, o que gerou uma penalidade de R$ 150 mil (3% sobre o total). Ainda cabe recurso.

A decisão é da juíza substituta da 3ª Vara do Trabalho de Diadema, Samantha Fonseca Steil Santos e Mello. Ela tomou como base o parágrafo 3º do artigo 292 do novo CPC. O dispositivo determina que o juiz corrigirá, de ofício, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão. Porém, sua aplicação ainda é controversa. Há decisões do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) contrárias à prática.

Para a juíza, casos como este, em que há diversas contradições, são exceções na Justiça do Trabalho. “Porém, quando ocorrem, o juiz tem que punir de forma exemplar, com base no princípio da boa-fé e do dever de cooperação das partes”, diz Samantha. “No caso, o médico pleiteava 184 horas extras mensais quando na verdade trabalhava apenas cinco dias por mês.”

Na petição inicial, o médico afirma que trabalhava para um hospital de Diadema, como sócio de uma empresa (que servia apenas para encobrir sua relação de trabalho), por cerca de 10 horas diárias, seis dias por semana, sem intervalo, e em troca recebia salário de aproximadamente R$ 17 mil mensais. Por isso, teria entrado com ação judicial pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício e o pagamento de todas as verbas decorrentes dos últimos cinco anos – entre elas férias, horas extras, 13º salário, aviso prévio e FGTS.

Porém, em seu depoimento no processo, o autor mesmo afirmou que trabalhava apenas cinco dias por mês no hospital, somente para realizar cirurgias, o que foi confirmado posteriormente por testemunhas. Além disso, declarou que a empresa que supostamente era utilizada para viabilizar a “pejotização” tinha firmado um contrato recente com a prefeitura de Diadema no valor de R$ 4,4 milhões.

O médico acrescentou ainda que tinha secretárias que organizavam a sua agenda e que poderia ser substituído por outro médico, de acordo com a sua necessidade. E que ainda atuava em mais outros hospitais em Diadema (SP), além de dar aulas.

A juíza, ao analisar o caso, entendeu que não haveria subordinação jurídica porque não foi identificada submissão do trabalhador ao empregador, embora o trabalho fosse remunerado e prestado de forma habitual, o que não caracterizaria vínculo empregatício. E em consequência de uma “versão inicial absolutamente incompatível com a realidade fática havida, o que levou do juízo quase quatro horas de instrução”, condenou-o por litigância de má-fé.

Segundo a decisão, “o Judiciário não pode compactuar com tal conduta, sob pena de banalização do excesso, da inverdade. Não se pode admitir que seja prática cotidiana a alteração de fatos com vistas ao reconhecimento de direitos inexistentes”.

Para o advogado e professor de direito do trabalho da Universidade Federal do Paraná, Arthur Mendes Lobo, sócio do Wambier Advogados, a decisão é digna de aplausos. “O novo CPC veio para acabar com aventuras judiciárias nas quais a parte elege uma série de fatos inexistentes e depois na colheita de prova oral se verifica que tudo era uma mentira”, diz.

O novo CPC, segundo o professor, além de prever que o valor de causa pode ser alterado de ofício, colocou uma margem para a condenação por litigância de má-fé, que pode variar de 1% a 10% do valor da causa. Ainda determina que a parte perdedora indenize a parte contrária com todas as despesas e honorários advocatícios. Para ele, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não se aprofunda no assunto, o novo CPC poderia ser aplicado subsidiariamente.

Decisões como esta podem virar tendência na Justiça do Trabalho, segundo advogados, por estarem na linha do que propõe a reforma trabalhista. No texto, tal como aprovado pela Câmara, há previsão do pagamento de honorário de sucumbência (pago para a parte vencedora) proporcional aos pedidos que foram negados na Justiça, além da comprovação efetiva de pobreza para que a parte não assuma os custos do processo.

“Os advogados terão que tomar mais cuidado com os pedidos que serão formulados”, diz o advogado André Villac Polinesio, sócio do Peixoto & Cury Advogados. Para Juliana Crisostomo, do Luchesi Advogados, a decisão da juíza de Diadema está estritamente dentro da legalidade e deve coibir eventuais abusos.

A decisão, porém, pode ser reformada. A desembargadora do TRT de São Paulo e professora do Instituto de Direito Público (IDP) São Paulo, Sônia Mascaro, diz que a 9ª Turma, da qual faz parte, tem alterado sentenças nesse sentido.

Ela defende o respeito aos princípios da razoabilidade e do duplo grau de jurisdição (direito de recorrer), já que no caso a parte terá que depositar em juízo o valor de 2% do valor da causa (R$ 100 mil) para apresentar recurso à segunda instância. “Por mais alto que seja o salário, esse valor não é razoável e pode dificultar o acesso ao Judiciário. As pessoas têm direito de terem suas decisões revistas.”

Além disso, segundo a magistrada, não se pode aplicar o CPC subsidiariamente. Ela acrescenta que há lei específica na área trabalhista que trata do assunto – Lei nº 5584, de 1970 – e que a 9ª Turma tem se baseado no mesmo entendimento firmado recentemente pela Seção de Dissídios Individuais II (SDI- II) do TST.

Para Sônia, contudo, nos casos em que for comprovada a litigância de má-fé, na execução do processo, quando não couber mais discussão do mérito, pode ser calculado o real valor da causa e a multa. “Nesses casos, uma mentira poderá custar muito caro. Mas o valor deve ser definido no fim do processo.”

 

Fonte: Valor Econômico