STF: VALOR RELATIVO AO ICMS NÃO PODE INTEGRAR A BASE DE CÁLCULO DO COFINS

O STF decidiu recentemente que não pode integrar a base de cálculo da COFINS o valor relativo ao ICMS. E o que vale para a COFINS por extensão deverá ser aplicado ao PIS. Em síntese, os 18% médios cobrados sobre as vendas não podem ser inseridos no cálculo do PIS e da COFINS que incidem sobre o faturamento das empresas – incidência que recai diretamente sobre a corrente sanguínea das empresas, ou seja, tudo aquilo que é faturado!

A ementa do acórdão abaixo (RE 240.785-2 MG) é bem clara sobre este entendimento.

“TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro.

COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da COFINS, porque estranho ao conceito de faturamento.

Tal entendimento pode ainda ser estendido  também sobre o ICMS recolhido por antecipação – o chamado ICMS-ST. No caso, ainda que o STF, posteriormente reexamine e modifique seu entendimento, a discussão poderia ainda continuar por conta do detalhe adicional do ICMS-ST.

Tratando do assunto, abaixo dois artigos publicados no Jornal Valor Econômico, de autoria nosso Consultor tributário, Dr. Walter Carlos Cardoso Henrique, advogado, Professor da PUC/SP e Conselheiro do CODECON e Presidente da comissão de assuntos tributários do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA):

O Fisco a desserviço do empreendedor



VALOR ECONOMICO –  06/01/2014 | Walter Carlos Cardoso Henrique

A Constituição Federal adotou como princípio a livre iniciativa – artigo 170, redação original. Também garantiu tratamento favorecido às empresas de pequeno porte (art.170, inciso IX – EC 6/95) e tratamento favorecido e diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive por meio de regimes especiais ou simplificados (art.146, III, “d” – Emenda Constitucional nº 42, de 2003).

A Constituição é de 1988 e em duas oportunidades foi alterada para dizer o mesmo: pequenos contribuintes devem ter um tratamento adequado e, portanto, favorecido (leia-se incentivados até que atinjam maturidade e venham a se sujeitar ao regramento normal). Tratar os desiguais na medida de sua desigualdade não é fazer caridade, significa apenas respeitar, sob a ótica tributária, a capacidade contributiva de cada sociedade. Com isso todos ganham, do empreendedor ao país; da sociedade ao Tesouro. É a política do ganha-ganha.

Mas isso não importa. O que vale não é a leitura jurídica, mas a ditada pelos representantes do Fisco aqui, lá e acolá. E a influência é tão grande que até a jurisprudência a ele se curva. Quando a Justiça perceber, será tarde, seja para os contribuintes/empreendedores, seja para o Brasil. A arrecadação não pode ser um fim em si própria.

Ao invés de recuperar quem gera riquezas e empregos, extinguimos o empreendedor

No Congresso Nacional está em pauta a chamada universalização do Simples. O jurista atento sabe que não há critério constitucional para que apenas uma ou outra atividade seja inserida no regime da Lei Complementar nº 123. O jurista também sabe que a inadimplência momentânea ou contumaz não impede a cobrança de novos impostos ou autoriza a mudança de regimes tributários. Verificado no mundo dos fatos a situação prevista em lei, surge o espaço para a tributação ser identificada, lançada e recolhida. Não é o que acontece com o Simples. Pretende o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – Ofício nº 38/2013 encaminhado à Presidência da República – que a inadimplência também continue a impedir o acesso ao regime jurídico da Lei Complementar nº 123. Argumenta que a proposta é “um estímulo ao calote, visto que nada aconteceria ao contribuinte inadimplente”. Levada às últimas consequências – e é assim que testamos o modelo – é o mesmo que asfixiar o gripado.

Não importa a qualidade dos argumentos. Se do outro lado está o Fisco, a disputa é épica. Ao invés de recuperar quem gera riquezas e empregos, extinguimos o empreendedor. Matamos o país e passamos a importar.

O massacre acontece em todas as frentes. No começo deste mês o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que o contribuinte inadimplente pode ser protestado pela Fazenda Pública. Tomada de posição contrária à orientação sumular do Supremo Tribunal Federal com relação às chamadas sanções políticas. A solução da inadimplência fiscal não passa pelo escracho em praça pública, mas pela redução dos excessos, seja quanto à obrigação principal (pagamento), seja quanto às obrigações acessórias (deveres instrumentais). Aliás, é incrível que ninguém ainda tenha atrelado a questão das execuções a estes aspectos e à própria carga tributária em si. A ineficiência da cobrança judicial está atrelada a falta de meios e de gestão. A afirmação não causa receio e nem assusta, porque algumas comarcas importantes em termos de PIB não possuem sequer estruturas de cobrança. É mais simples protestar e constranger.

Está em andamento em Brasília um projeto de desburocratização das atividades empresariais, visando extinguir os cadastros municipais e estaduais (inscrições municipais e estaduais). Uma das ideias é que os empreendedores utilizem apenas o CNPJ como único dado referencial. A Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa está à frente deste projeto, mas o Fisco não vive apenas de exageros passados (protestos de CDA) ou presentes (limitações ao Simples).

O futuro está à nossa porta. E aqui surge a Portaria nº 122 emitida pela Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo, que instrumentaliza a “possibilidade” da exigência prévia, de comprovação de capacidade financeira para os pagamentos tributários futuros, antes mesmo que a atividade econômica seja desenvolvida. Garantia necessária para a obtenção e manutenção da Inscrição Estadual. Já tínhamos a certidão negativa com prazo de validade. Agora temos prazo de validade da própria atividade econômica! E não se trata de medida apenas para coibir inadimplência contumaz, porque o regramento não prevê possibilidade recursal com efeito suspensivo e ainda pode ser aplicado quando sócios ou empresas coligadas estejam em situação de inadimplência. A afirmação de que essa possibilidade já estava prevista no regulamento paulista do ICMS explica, mas não justifica.

Uma coisa é ter porte de arma (possibilidade) outra é sair atirando (aplicação). É o caso.

O que as três situações possuem em comum é o cerceamento de atividades econômicas como forma coercitiva de tributação. Isso é confisco em sentido amplo, algo sobre o qual devemos meditar e que certamente chegará ao crivo do Supremo Tribunal Federal, que já possui manifestações sobre extravagâncias anteriores.

A máxima de que o “dinheiro só vem antes do trabalho no dicionário” deveria ser aplicada aos impostos, porque sem empreendedorismo e uma economia pujante não deveríamos ter tanta arrecadação. O diagnóstico é grave e a possibilidade de recuperação não será eficiente enquanto a arrecadação não estiver sob o controle de um estadista que enxergue além das próximas eleições.

 

Riscos à sociedade e ao Carf

VALOR ECONOMICO –  26/05/2015 | Walter Carlos Cardoso Henrique

 No momento em que a Constituição de 1988 foi promulgada já existia em nossa cultura a tradição de órgãos colegiados administrativos de composição paritária, cuja consequência é a imparcialidade pelo equilíbrio de forças. Diante da ausência das garantias típicas da magistratura, é da contraposição de argumentos, formações e origens que se garante a justiça fiscal. Isso permite afirmar que nenhuma possibilidade de extinção deste modelo pode ser constitucional. E no caso do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), os termos da proposta do novo regimento interno parecem demonstrar conhecimento sobre este relevante aspecto.

O ponto que merece destaque é que qualquer anomalia institucional pode tornar impossível a execução futura dos créditos tributários dali decorrentes. E a responsabilidade por estas consequências recai diretamente sobre o Ministério da Fazenda. Sendo o acesso ao devido processo legal na esfera administrativa cláusula pétrea (CF, art. 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes), inserida no rol de direitos e garantias individuais (Título II), e que na dicção do Supremo Tribunal Federal (Adin 939-DF) também se estende às questões tributárias, qualquer desarranjo no exame dos recursos interpostos pelos contribuintes corrói a liquidez e certeza das consequentes inscrições em dívida.

A garantia do devido processo surgiu no Reino Unido como forma de conter o arbítrio da monarquia. No solo americano evoluiu como forma de coibir violações do Legislativo. E no ordenamento pátrio é importante ferramenta para proteção dos contribuintes em face de abusos perpetrados pelas diversas esferas tributantes. Quem conhece nossa realidade normativa sabe a importância da independência dos órgãos de julgamento administrativo, efetivo contrapeso à possibilidade de uma autuação equivocada.

A decisão da OAB merece ser reexaminada por colocar em xeque variados órgãos administrativos

Existe um regime jurídico no momento da autuação (aplicação da lei de ofício – art. 37 da CF) e outro para a solução dos conflitos decorrentes desta aplicação, através de um órgão de natureza judicante (art. 5º, LV da CF). Nisso não há nada de surpreendente porque a tripartição de poderes prevista pela Constituição consagra uma divisão de natureza funcional, onde a prevalência das atividades legislativas, executivas e judiciárias não impede outras complementares. É assim que encontramos o vínculo dos tribunais de contas ao Poder Legislativo e as providências administrativas do Judiciário. Natural e integrado ao nosso ordenamento o fato dos conflitos decorrentes da aplicação da lei tributária serem solucionados dentro do próprio Executivo. É por isso que Rubens Gomes de Souza referia-se à “administração ativa” para a atuação concreta dos agentes fiscais e “administração judicante” a decorrente solução de controvérsias.

Os processos administrativos instaurados sob a estrutura anterior garantiam aos autuados solução equilibrada e imparcial, de modo que modificações bruscas podem implicar quebra de expectativas e ofender “direitos adquiridos”, por ser inadmissível mutação conveniente e posterior das estruturas de julgamento. Merecem grande atenção os casos de julgamentos já iniciados. E mesmo a possibilidade de revisão judicial não pode afiançar excessos porque mesmo ela demanda ritualística sofisticada, custos e nem sempre chega no tempo adequado.

O interesse público pressupõe arrecadação dentro dos parâmetros constitucionais. Vale dizer, de acordo com o ordenamento, respeitando-se o “devido processo” e as peculiaridades de cada situação jurídica. E isso atrai para o rol de julgadores a única classe afeita a este tema: a dos advogados. Nesse cenário, limitação a advogados experientes – que continuamente se dedicam a sua atividade profissional e econômica – implica distorção a imparcialidade, uma vez que reduz a quantidade de proposições a serem consideradas, concorrendo para sobrecarregar ainda mais o Judiciário. E a lembrança de repercussões penais implica maior dramaticidade a este cenário.

Assim, a decisão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94, STF ADIN 1.127 DF) no dia 18 de maio merece ser reexaminada, não por estar de acordo com a lei, mas por colocar em xeque variados órgãos administrativos em que não há interesse patrimonial envolvido, sob pena de ser necessária mutação legislativa no âmbito destes órgãos ou na Lei nº 8.906, de 1994.

Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado, professor de direito tributário da PUC-SP, representante da OAB-SP no Codecon e presidente da comissão de assuntos tributários do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA)

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